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O paradoxo capixaba: por que os eleitores do ES votam na Esquerda?

Esse padrão se revela de maneira clara quando olhamos para a história das eleições no estado.

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Welker Miranda é formado em Licenciatura em História, com especializações lato sensu em Educação a Distância, Docência no Ensino Superior, Filosofia e Sociologia. É também discente nas áreas de Estudos Teológicos, História do Cristianismo e Pensamento Cristão. Atua como professor de História, Filosofia e Sociologia na rede particular de ensino. É autor de dois livros, atualmente, é diácono e professor de Escola Bíblica Dominical na Igreja Presbiteriana do Brasil. Além da docência, é colunista de sites, onde escreve sobre temas ligados à fé, cultura, política, história e pensamento cristão.

 

O chamado “paradoxo eleitoral capixaba” — a recorrência de um eleitorado socialmente conservador elegendo candidatos situados na esquerda ou centro-esquerda — só pode ser compreendido a partir de uma leitura histórica da política estadual nos últimos 50 anos. O Espírito Santo, assim como boa parte do Brasil, não possui um eleitorado fortemente esclarecido politicamente. O que se chama de conservadorismo capixaba está muito mais ligado a valores tradicionais, como defesa da família, da religião, contra o aborto e as drogas, do que a uma adesão a princípios políticos ou econômicos do conservadorismo clássico. Na prática, trata-se de um conservadorismo (ou tradicionalismo) moral, fortemente influenciado pelas igrejas, mas que não encontra correspondência em um projeto político de direita organizado.

Esse padrão se revela de maneira clara quando olhamos para a história das eleições no estado. Em 1982, com o fim da ditadura militar, o capixaba elegeu Gerson Camata (PMDB), herdeiro do populismo varguista, conciliador e popular. Em 1986, foi a vez de Max Mauro (PMDB, depois PDT), também vinculado ao trabalhismo e ao brizolismo. Já em 1990, Albuíno Azeredo (PDT) deu continuidade a essa tradição, representando a esquerda trabalhista, embora com perfil pragmático.

O grande ponto de inflexão veio em 1994, quando o PT venceu com Vítor Buaiz. Foi a única vez em que o Espírito Santo experimentou um governo abertamente alinhado à esquerda ideológica, marcado por pautas do socialismo/marxista e até gramscistas. A experiência, no entanto, foi mal avaliada pela população, e desde então o PT jamais conseguiu protagonismo eleitoral no estado. A partir de 1998, com José Ignácio Ferreira (PSDB), o governo voltou a um tom neoliberal e pragmático, além do que na época todos acreditavam que o Partido da Social Democracia Brasileira era de direita, mas sendo do espectro da esquerda democrática ou socialismo light.

A partir de 2002, inicia-se a era Paulo Hartung (PSB → PMDB), figura central da política capixaba. Hartung trouxe um novo modelo de gestão, técnico, pragmático e moderado, que passou a ditar o ritmo da política local. Eleito três vezes, representou um estilo administrativo que unia ajuste fiscal, diálogo com empresários e proximidade com setores sociais diversos, como as igrejas evangélicas, tornando-se aceitável tanto para progressistas quanto para conservadores. Em 2010, Hartung deu espaço a Renato Casagrande (PSB), que assumiu a mesma lógica: gestor técnico, equilibrado e pouco ideológico (ao menos nos discursos). Em 2014, Casagrande perde a reeleição para Paulo Hartung. Em 2018, Casagrande ganha novamente, em 2022 é reeleito no segundo turno contra o candidato de Jair Bolsonaro, Carlos Manato (PL), consolidando a hegemonia do PSB no estado, e sempre com o PT na base aliada.

Um detalhe curioso e revelador é que tanto José Ignácio Ferreira, Paulo Hartung e Renato Casagrande tiveram passagem, ainda na juventude, pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), o que reforça como a formação política da elite capixaba se deu em meio ao ambiente da esquerda. Com o passar dos anos, porém, esses nomes adaptaram-se a um pragmatismo de gestão, abandonando o discurso revolucionário e se moldando às exigências de uma política centrada em eficiência administrativa e diálogo com setores conservadores da sociedade, podemos dizer que foi o gramscismo e o pragmatismo atuando juntos para ganhar votos dos eleitores de direita.

Esse retrospecto mostra que o Espírito Santo nunca teve uma direita orgânica, estruturada e competitiva. As tentativas de radicalização à esquerda, como o governo petista de 1994, foram rejeitadas. Desde então, os capixabas têm confiado em perfis pragmáticos de centro-esquerda, sobretudo no PSB, que souberam adaptar o discurso e a prática administrativa para dialogar com setores conservadores. Mesmo a onda bolsonarista nacional não foi suficiente para consolidar uma alternativa de direita no estado, porque faltou enraizamento partidário e formação de lideranças locais sólidas.

Esse fenômeno também pode ser explicado pela herança do populismo e do trabalhismo varguista, que moldaram a política capixaba nas décadas de 1980 e 1990. O eleitor não escolhe pela coerência ideológica, mas pela imagem de proximidade, competência administrativa e capacidade de entrega. Isso se conecta ao impacto do gramscismo, que, ao ocupar espaços culturais e educacionais, consolidou a hegemonia da esquerda moderada e isolou a possibilidade de construção de um conservadorismo clássico.

Assim, quando o capixaba que se declara conservador vota em Casagrande ou Hartung, não o faz por afinidade ideológica, mas por pragmatismo: prefere a segurança da estabilidade administrativa ao risco de mudanças radicais (mudanças são saudáveis numa democracia para ter a alternância de governos distintos). Na verdade, o eleitor capixaba confunde conservadorismo com tradicionalismo e reacionarismo. O conservadorismo clássico, nos moldes de Edmund Burke, Russell Kirk ou Roger Scruton, nunca foi de fato conhecido, debatido ou estruturado no Espírito Santo.

O chamado paradoxo, portanto, não é uma contradição. É o reflexo de uma trajetória marcada pelo populismo, pela ausência de uma direita estruturada, pela rejeição à extrema-esquerda e pela consolidação de uma centro-esquerda pragmática que se tornou aceitável para setores sociais conservadores. O Espírito Santo é conservador nos costumes, mas suas escolhas políticas privilegiam a eficiência administrativa, o equilíbrio e a estabilidade, mesmo que sob a liderança de partidos formalmente ligados à esquerda.

Diante desse cenário, não é impossível que, em futuras eleições, surja espaço para um candidato de centro-direita moderada, capaz de unir o discurso de responsabilidade fiscal e eficiência administrativa — elementos já valorizados pelo eleitor capixaba — com a defesa de valores sociais mais próximos do conservadorismo moral dominante no estado. A vitória, entretanto, dependerá não apenas da adesão a esses valores, mas da construção de uma alternativa política sólida, com lideranças enraizadas, partidos organizados e discurso pragmático.

Em outras palavras, o eleitorado capixaba pode até se declarar conservador, mas só entregará o governo a um nome de centro-direita se este for capaz de dialogar com a tradição histórica do estado: pragmatismo, proximidade e estabilidade. Sem isso, a hegemonia da centro-esquerda pragmática, representada sobretudo pelo PSB, continuará predominando.


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