Cariacica, um dos municípios mais populosos do Espírito Santo, vive hoje um cenário político muito diferente daquele que marcou os anos 2000. A cidade que já foi referência da esquerda capixaba se tornou, ao longo da última década, um terreno fértil para projetos de centro e direita — e, sobretudo, para a ascensão de uma liderança que reorganizou o mapa político local: Euclério Sampaio.
Ao mesmo tempo, o Partido dos Trabalhadores, que já governou o município por oito anos e venceu diversas eleições presidenciais na cidade, atravessa um processo de enfraquecimento que se reflete tanto nas urnas quanto na perda de conexão com seu eleitorado histórico. A figura de Helder Salomão, que simbolizou a força petista em Cariacica, hoje acaba representando também os limites e a crise da legenda na cidade.
Este artigo analisa esse movimento de transformação política a partir dos resultados eleitorais e do comportamento do eleitor cariaciquense ao longo dos últimos 20 anos.
Nos anos 2000, o PT desfrutava de uma relação sólida com a população de Cariacica. As gestões de Helder Salomão, eleito em 2004 com 72,43% dos votos e reeleito em 2008 no primeiro turno, consolidaram uma era de protagonismo da esquerda no município. No cenário nacional, a cidade também acompanhava a onda petista: Lula obteve mais de 58% dos votos nas eleições de 2002 e 2006, mesmo com PT envolvido em vários escândalos de corrupção – o mais famoso da época o esquema do Mensalão.
O PT cariaciquense era visto como um partido próximo às comunidades, às associações de bairro, aos movimentos sociais e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica. O discurso da “gestão popular” dialogava com a realidade de uma cidade em busca de desenvolvimento e inclusão.
Mas essa força começou a se dissipar.
A partir de 2010, Cariacica passou a fazer movimentos eleitorais que destoavam do restante do país. Enquanto o Brasil elegia Dilma, a cidade votava majoritariamente em José Serra (PSDB) partido de centro-esquerda (na época as pessoas achavam que o PSDB era um partido de direita/conservador). Em 2014, repetiu o gesto ao dar vitória expressiva a Aécio Neves, também do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira).
Em 2018 e 2022, os números pró-Bolsonaro consolidaram a guinada conservadora: nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro alcançou 70,83% dos votos válidos no segundo turno em Cariacica — sua maior marca no Estado — e em 2022 voltou a vencer com 64,66%, mantendo uma vantagem expressiva sobre Lula.
A mudança não foi repentina — foi silenciosa, contínua e baseada no sentimento de que o PT havia se afastado das demandas do cotidiano.
A ascensão de Euclério Sampaio: quando presença supera a ideologia socialista
Nesse contexto de transformação surge — e cresce — a figura de Euclério Sampaio. Sua liderança não se formou apenas durante eleições, mas no corpo a corpo dos bairros, nas visitas, nas conversas com comerciantes, nas demandas levadas para a Assembleia Legislativa e, posteriormente, para a Prefeitura.
Entre 2020 e 2024, ele se tornou não apenas um político conhecido, mas uma referência cotidiana, alguém que representa responsabilidade administrativa e proximidade social.
Sua trajetória eleitoral mostra essa consolidação:
• 2020 – vence o PT no 2º turno (58,69%);
• 2024 – alcança uma vitória histórica com 88,41% no primeiro turno, uma das maiores margens já vistas no município.
Enquanto isso, a candidata petista soma apenas 9,08% dos votos — um retrato simbólico da nova realidade política da cidade.
O sucesso de Euclério não é apenas eleitoral; é territorial. Ele ocupou os espaços que a esquerda deixou abertos, reconectou o poder público às necessidades práticas da população e dialogou com um eleitor cada vez mais pragmático, além de um discurso conservador e cristão.
Helder Salomão foi o nome mais emblemático do PT em Cariacica. Mas sua atuação, ao longo dos anos, tornou-se mais distante das bases e mais concentrada em articulações partidárias de escala estadual e nacional.
À medida que a cidade mudava social e politicamente, faltou ao PT um processo de renovação interna, de atualização do discurso e de reconexão com os bairros — justamente aquilo que já havia sido seu maior trunfo.
Com isso, Helder passou a simbolizar um partido:
• envelhecido na narrativa,
• distante das demandas do dia a dia,
• desgastado por disputas internas,
• e pouco atento às mudanças culturais da cidade.
Enquanto isso, novas lideranças de centro e direita ocupavam o vácuo deixado pela legenda.
A mudança de comportamento do eleitorado é central para entender o declínio petista. Cariacica deixou de votar em torno de identidades ideológicas e passou a priorizar:
• eficiência,
• presença,
• obras concretas,
• segurança,
• diálogo constante,
• Educação de respeito e qualidade (como a escola cívico-militar),
• e lideranças que se fazem presentes no cotidiano.
Nesse sentido, o contraste entre os modelos de atuação do PT e de Euclério Sampaio ficou cada vez mais evidente.
O PT manteve um discurso que não acompanhava o ritmo da cidade. Euclério apostou na proximidade diária. O resultado aparece tanto nas eleições municipais quanto nas presidenciais.
A nova Cariacica: um território redesenhado
Entre 2002 e 2024, Cariacica percorreu um caminho que a levou da hegemonia petista à consolidação de uma liderança do centro-direita. Esse deslocamento não foi apenas eleitoral — foi cultural, administrativo e territorial.
Euclério Sampaio se tornou o principal articulador desse novo momento, enquanto o PT tenta reencontrar seu espaço em uma cidade que já não responde às estratégias do passado.
O cenário atual mostra que:
• a direita venceu amplamente as últimas eleições nacionais no município,
• o governo municipal se consolidou sob liderança conservadora,
• e o PT enfrenta sua maior crise local desde o início dos anos 2000.
O enfraquecimento do PT em Cariacica não é resultado de um único fator. Ele nasce da perda de presença territorial, da falta de renovação das lideranças, do desgaste das narrativas tradicionais e da incapacidade de acompanhar as mudanças sociais do município.
Do outro lado, Euclério Sampaio construiu sua força com presença, diálogo, obras e estabilidade administrativa. Ele se tornou o principal catalisador de um novo ciclo político — um ciclo no qual o PT luta para reencontrar sua relevância.
Cariacica vive uma nova fase. E essa fase tem nome, ritmo e direção: uma liderança consolidada no presente e uma oposição que ainda busca compreender o passado.













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